22.12.07

Sonho: a transposição

Presidente. A transposição do rio São Francisco parece concreta em seu governo. Seja sincero: amenizará a sede dos pobres do semi-árido?
Resposta: Pode não amenizar para todos. Mas é uma obra faraônica e marcará este governo que logo passará.
Presidente. Então o bispo Luís Cappio tem razão em seus questionamentos?
Resposta: Pode ter, mas não poderia ceder. Politicamente ganhei as eleições com campanhas de que transporia o rio e assim farei. Ficarei para a história. Imagine só o tamanho da obra. É gigantesca.
Presidente. Não corre-se o risco do rio beneficiar as famílias com melhores poderes aquisitivos e concentrar a terra nas mãos de algumas famílias em detrimento da maioria delas, uma vez que a maioria do nordeste ficará sem ser beneficiado pelas águas do São Francisco?
Resposta: É possível. Mas o que podemos fazer? Faremos a obra e a colocaremos à disposição do povo da região. Agora, se a água transposta e as terras que a margeia forem concentradas, o que posso fazer?
Presidente. Mas se é possível prevê situações como está, por que continuar uma obra de milhões de reais, sabendo-se que incentivará a concentração agrária em prejuízo da população pobre?
Resposta: Dividendos políticos e promessa de campanha. Não posso deixar de fazer, mesmo sabendo que a água pode evaporar e em futuro não muito distante o rio fictício (transposição) for assoreado e os investimentos terem sido evaporados ou assoreados juntos.
Presidente. Não seria mais lucrativo executar os projetos de cisternas apresentados por entidades e instituições de alto reconhecimento nacional e internacional?
Resposta: Seria, mas convínhamos. Que ganhos políticos eu levarei com cisternas? Não ficarei para a história. Outra Brasília não posso fazer. Outra ponte Rio-Niterói não posso construir. O Corcovado já foi erguido. Já comprei o avião presidencial. Agora que estou transpondo o rio São Francisco, me malham, inclusive com um bispo que fez greve de fome. Como ficarei para a história se não o transpor? Não quero ficar como aquele que perdeu a CPMF para os senadores. Deixarei uma grande obra: a transposição, custe o que custar.
Presidente. Mas no mundo real, apenas 4% da água transposta serão destinados ao consumo humano, em uma área equivalente a apenas 6% da região semi-árida. Não é um investimento muito alto para beneficiar uma percentagem muito baixa da população e de terra de toda a região semi-árida?
Resposta: Mas o que você quer que eu faça? Já não estará bom? São 6% que ficarão me elogiando e ainda irei para a história com a transposição. Os demais 94% ficarão com a esperança de que serão beneficiados. E as pessoas precisam de esperança para viver, mesmo que não sejam beneficiados diretos. E mesmo não sendo, elas me elogiarão pelo que fiz para beneficiar 6% e se sentirão indiretamente beneficiadas. O nordestino é assim. Sente-se beneficiado quando o outro é beneficiado. Eu sou de lá e sei disso. Vivia de esperança.
Presidente. Construir 10 milhões de cisternas é mais proveitoso politicamente e desconcentra a água ajudando a todos os nordestinos com a metade dos investimentos que atualmente estais aplicando. Não acha?
Resposta: Seria, mas não dá ibope.
Presidente. Mas as cisternas ficarão na metade do preço da transposição. Isto já não o deixaria para a história, vez que estão orçadas em R$ 3,6 bilhões, a metade do custo inicial da transposição do São Francisco?
Resposta: Mas não dá ibope. Não ficarei para a história.
Presidente. Parece-me que as a transposição interessa muito mais ao agronegócio que aos pobres do nordeste. Não estariam os verdadeiros necessitados sendo prejudicados?
Resposta: Estariam. Mas não são as cisternas e sim a transposição que me fará ser lembrado no futuro.
Presidente. Se dom Luis Cappio não tivesse encerrado a greve de fome e viesse a falecer o senhor não ficaria com remórcio?
Resposta: Faz parte do jogo democrático e político.
Presidente. Sou nordestino como Vossa Excelência e...
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... Nisso o relógio despertou e eram 06h30min., da manhã de hoje, sábado. Percebi que eu estava sonhando conversando com Lula e a conversa encerrou-se bruscamente. Pensei que o convenceria da não transposição... Que pena... Meus conterrâneos continuarão sofrendo as conseqüências das políticas faraônicas.
Elias Brandão

10.12.07

Juiz federal jurado de morte

Odilon de Oliveira, de 56 anos, estende o colchonete no piso frio da sala, puxa o edredom (foto abaixo) e prepara-se para dormir ali mesmo, no chão, sob a vigilância de sete agentes federais fortemente armados. Oliveira é juiz federal em Ponta Porã, cidade de Mato Grosso do Sul na fronteira com o Paraguai e, jurado de morte pelo crime organizado, está morando no fórum da cidade. Só sai quando extremamente necessário, sob forte escolta. Em um ano, o juiz condenou 114 traficantes a penas, somadas, de 919 anos e 6 meses de cadeia, e ainda confiscou seus bens. Como os que pôs atrás das grades, ele perdeu a liberdade. ‘A única diferença é que tenho a chave da minha prisão.’
Traficantes brasileiros que agem no Paraguai se dispõem a pagar US$ 300 mil para vê-lo morto. Desde junho do ano passado, quando o juiz assumiu a vara de Ponta Porã, porta de entrada da cocaína e da maconha distribuídas em grande parte do País, as organizações criminosas tiveram muitas baixas.Nos últimos 12 meses, sua vara foi a que mais condenou traficantes no País. Oliveira confiscou ainda 12 fazendas, num total de 12.832 hectares, 3 mansões - uma, em Ponta Porã, avaliada em R$ 5,8 milhões - 3 apartamentos, 3 casas, dezenas de veículos e 3 aviões, tudo comprado com dinheiro das drogas. Por meio de telefonemas, cartas anônimas e avisos mandados por presos, Oliveira soube que estavam dispostos a comprar sua morte.
’Os agentes descobriram planos para me matar, inicialmente com oferta de US$100 mil.’ No dia 26 de junho, o jornal paraguaio Lá Nación informou que a cotação do juiz no mercado do crime encomendado havia subido para US$ 300 mil. ‘Estou valorizado’, brincou. Ele recebeu um carro com blindagem para tiros de fuzil AR-15 e passou a andar escoltado. Para preservar a família, mudou-se para o quartel do Exército e em seguida para um hotel. Há duas semanas, decidiu transformar o prédio do Fórum Federal em casa.
‘No hotel, a escolta chamava muito a atenção e dava despesa para a PF.’ É o único caso de juiz que vive confinado no Brasil. A sala de despachos de Oliveira virou quarto de dormir. No armário de madeira, antes abarr otado de processos, estão colchonete, roupas de cama e objetos de uso pessoal. O banheiro privativo ganhou chuveiro. A família - mulher, filho e duas filhas, que ia mudar para Ponta Porã, teve de continuar em Campo Grande. O juiz só vai para casa a cada 15 dias, com seguranças. Oliveira teve de abrir mão dos restaurantes e almoça um marmitex, comprado em locais estratégicos, porque o juiz já foi ameaçado de envenenamento. O jantar é feito ali mesmo. Entre um processo e outro, toma um suco ou come uma fruta. ‘Sozinho, não me arrisco a sair nem na calçada.’
Uma sala de audiências virou dormitório, com três beliches e televisão. Quando o juiz precisa cortar o cabelo, veste colete à prova de bala e sai com a escolta. ‘Estou aqui há um ano e nem conheço a cidade.’ Na última ida a um shopping, foi abordado por um traficante. Os agentes tiveram de intervir. Hora extra. Azar do tráfico que o juiz tenha de ficar recluso. Acostumado a deitar cedo e levantar de madrugada, ele preenche o tempo com trabalho. De seu ‘bunker’, auxiliado por funcionários que trabalham até alta noite, vai disparando sentenças.
Como a que condenou o mega traficante Erineu Domingos Soligo, o Pingo, a 26 anos e 4 meses de reclusão, mais multa de R$ 285 mil e o confisco de R$ 2,4 milhões resultantes de lavagem de dinheiro, além da perda de duas fazendas, dois terrenos e todo o gado. Carlos Pavão Espíndola foi condenado a 10 anos de prisão e multa de R$ 28,6 mil. Os irmãos , condenados respectivamente a 21 anos de reclusão e multa de R$78,5 mil e 16 anos de reclusão, mais multa de R$56 mil, perderam três fazendas. O mega traficante Carlos Alberto da Silva Duro pegou 11 anos, multa de R$82,3 mil e perdeu R$ 733 mil, três terrenos e uma caminhonete. Aldo José Marques Brandão pegou 27 anos, mais multa de R$ 272 mil, e teve confiscados R$ 875 mil e uma fazenda.
Doze réus foram extraditados do Paraguai a pedido do juiz, inclusive o ‘rei da soja’ no país vizinho, Odacir Antonio Dametto, e Sandro Mendonça do Nascimento, braço direito do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. ‘As autoridades paraguaias passaram a colaborar porque estão vendo os criminosos serem condenados.’ O juiz não se intimida com as ameaças e não se rende a apelos da família, que quer vê-lo longe desse barril de pólvora. Ele é titular de uma vara em Campo Grande e poderia ser transferido, mas acha ‘dever de ofício’ enfrentar o narcotráfico. ‘Quem traz mais danos à sociedade é mega traficante. Não posso ignorar isso e prender só mulas (pequenos traficantes) em troca de dormir tranqüilo e andar sem segurança.’
Fotos e texto recebido por e-mail